AMADURECER
É uma grande benção e uma grande honra poder oferecer mãos e voz ao grande mistério que nos anima e poder morrer para criar um novo chão.
Encontro nisso uma beleza e propósito incríveis, que me deixam menos vulneráveis à morte e à dor. Há aqui um convite a uma convivência directa e resiliente com a sensibilidade da presença atenta e do abraço às forças de uma existência da qual faço parte mas que não controlo. Não que não as tema, o medo faz parte dos elementos alquímicos de uma vida completa, não podendo, no entanto, ser o dominante. Morte e dor são parte de viver, saber caminhar com elas uma das nossas mais contínuas e importantes aprendizagens a cada momento, sem fórmulas fixas como qualquer aprendizado que se queira real.
Não posso ter a arrogância de abolir a incerteza dos tempos de nascimento, morte, vulnerabilidade da minha experiência de vida. Eles vão visitar-me. Quanto mais lhes resista mais dignidade lhe retirarei, a eles e a quem está no processo de vivê-los.
Precisamos pois de praticar. A esperança, essa presença perante a espera do que se está a desenrolar no gerúndio constante de um processo vivo. Fazer desse espaço, um espaço seguro, mas não asséptico. Não temos que resolver o processo, apenas de o acompanhar deixando que seja aquilo que é e testemunhando-lhe o sentido e a orientação que nos confere quando nos impele a mudar de perspectiva e crescer além da certeza de velhos lugares instituídos.
Dando amparo e amor, sustentado, oferecendo um senso de acompanhamento e não um senso de solidão. Porque na recusa dos processos de dor ou na vontade de que passem rapidamente há uma ausência, que é a presença incapaz de ficar com o que está a acontecer como é e um foco numa transformação impossível, porque a transformação toma tempo e não depende unicamente de nós, depende sobretudo do nosso amadurecimento para poder sustentar bençãos e também a justa medida de desconforto.
Será que é confortável para a bolota rasgar-se inteiramente para germinar enquanto carvalho?
Esta busca incessante é um desvio da possibilidade de, ao longo da Vida, abraçar e sobretudo ampliar a Alma com humildade que é a irmã da humanidade profunda.
Se ainda não pensámos sobre isso, podemos perceber o Verão como o fim da ascensão, que acontece com o germinar da semente, o brotar da Terra, o ascender à flor e amadurecer em fruto. Com o Sol que do Solstício de Inverno cresce até aos longos dias de Verão.
O Solstício de Verão anuncia o pico do Sol e necessariamente a sua descida fulcral para dias mais curtos e frios, sem os quais a renovação da Vida é impossível. Assinala uma jornada orgânica que a cultura perdeu: a de não estar em permanente crescimento. Há um lugar, que é onde o fruto já cresceu e só tem agora como tarefa amadurecer. O crescimento é externo, visível ao mundo. O amadurecimento é interno, implícito, imanente e é o que confere sentido a toda a jornada prévia.
Quem procura crescer sem trégua são os adolescentes, é a sua tarefa essencial. Mas há que sair desse estado para um lugar de amadurecimento, que é a capacidade de iniciar então, depois, o caminho da descida sagrada que define a segunda metade do ano solar, entre Solstício de Verão e Solstício de Inverno.
Depois de maduro o fruto cairá, até mãos que o colham e dele se nutram, ou até ao chão onde será decomposto até a sua polpa ser solo, depois de ter nutrido tantas pequenas e fundamentais formas de vida. Revelará então a semente, que é a esperança do recomeço, e esta ficará adormecida até ser tempo de, lentamente, iniciar de novo a jornada de germinar.
O amadurecimento e a descida são actos de convivência com o mistério, metade do ano é semear e cuidar, metade é preservar e interiorizar.
Sem as duas metades não poderá haver evolução e a vida é uma incontável repetição de dias, em busca de migalhas de conforto que não consolam o desamparo da falta de sentido maior, que é a pertença ao ciclo da Vida maior do que o tempo individual.
Fotografia de Mizé Jacinto
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