09
Dez

AMIZADE DA ALMA

Quantos anos se passam de caminhos entrançados?
Eu e o Baltazar crescemos juntos, um com o outro, desenvolvendo sonhos e formas de ser, entre música, poesia, dança e silêncio.

Juntos, estudamos, partilhamos, co-criamos desde há 25 anos. É mais a vida partilhada do que vida em que não caminhámos juntos.
Vivemos a Amizade da Alma: que tecemos e nos teceu e foi transformando. Aquela que dá sentido à Vida, que traz sossego e alento ante a devastação, que se doa por isso em serviço, porque transborda com generosa abundância e só pode partilhar-se.

Quem tem como nós a benção de viver a Amizade da Alma, conceito central da espiritualidade celta conforme define John O’Donohue no seu Anam Cara, só a pode partilhar. Porque é bálsamo transpessoal, universal, que vem para chegar a tantos corações quantos possa tocar; semeando este mesmo carinho partilhado, respeito e dignidade enquanto nos ensina a ser a cada momento melhores do que fomos.
Amizade da Alma é a que nos vê cair e não nos julga, mas antes ampara, aguarda, respeita o tempo do reerguer sem pressa, urgência, desconforto. Na confiança da medicina do tempo e da regeneração cíclica e invisível que permeia o afecto. Atravessar juntos a dor, de forma ora semelhante ora distinta, cria elos inquebráveis. Foram muitas as descidas e ascensões que fizemos juntos, mesmo se cada um no seu lugar próprio tendo a distância como continuidade do abraço.
Esse afecto que é a raíz de tudo o que somos e vivemos: o que nos afecta, aquilo que nos desperta afectividade e como afectamos as demais relações; das humanas, às animais, vegetais, minerais, elementais, espirituais. Visíveis como invisíveis, na vasta amplitude de parentescos com cada uma destas famílias a quem estamos intrinsecamente conectados.
A Amizade da Alma, é essencial, é ela que mata a fome de dentro, a que só se nutre de elo e sustentação do nosso ser no crescimento conjunto com o outro. Porque a árvore não faz sentido sem bosque.
Quem são os nossos verdadeiros Amigos, os da Alma e não apenas da rotina superficial dos dias? Sabe-lo é ter uma das mais essenciais Medicinas internas, e há que estimar e cultivar esta relação.

Tudo isto para dizer que, regressámos há dias atrás de Inglaterra. Das terras do Norte de Hope Valley, o vale da Esperança, onde as noites são vastas e os trilhos vão dar à Escócia Selvagem.
Foi aqui mesmo que, com um grupo de 16 corações abertos e corpos que se desafiavam a si mesmos a adentrar-se mesmo se por entre desafios na peregrinação da viagem ao coração do sentir-se, aconteceu o primeiro módulo de Transe Terapêutico.

Eu nunca consegui ser uma boa profissional: não colaboro com quem não acarinho, não sou capaz.
No reverso desta moeda, está a confiança incondicional que já nem de palavras precisa para tecer cura circular, individual e colectiva, sem sequer precisar de palavras. É assim que sempre nos movemos, no silêncio, na pausa, no som, na expressão que não cabe dentro das palavras e que é a Natureza Viva do Corpo, da Terra, da Alma.

Foram tantas as paisagens e visões atravessadas, ao longo destes anos, mas sobretudo ao longo deste último ano, em que finalmente o Baltazar e eu decidimos assumir um trabalho ancestral, nosso e ainda assim único e inovador que é um chamado que amadurecemos até entender como materializar com coerência, e que é um mestre em ensinamentos férteis e sempre renovados na pertinência da presença viva junto de quem está connosco.

Transe Terapêutico é sobre cultivar a Amizade da Alma, connosco mesmos, a Terra e todas e cada uma das relações passadas, presentes e futuras que fazem parte das nossas Vidas:
É um render, sem desvanecer.
É um largar da folhagem enquanto se adentra a raíz.
É desenvolver linguagem no corpo, na espiritualidade consciente, na cura contínua e laboriosa das relações e no reclamar da criatividade que brota em nós porque também somos Natureza Viva e manifestação da Terra.
É um retorno aos ossos da Alma que cantam com a voz do Espírito imortal, nos dialectos das ancestrais tribos que se expressam através e diante de nós.
É ser quem somos mas ser maior, para o bem maior de toda a teia de relações.
É saber que: o chão de onde nascemos nos afecta e transforma tanto quanto nós o afectamos e transformamos: assim é com as raízes como com as relações.
O que faremos então deste poder tão profundo, de evocar o mundo interior nosso e do(s) outro(s)?

Há aqui uma gratidão, um Amor, uma Verdade e uma Partilha de tamanha profundidade que as palavras não bastam, não ilustram, muito menos definem.
Há aqui o centro, o lugar de dentro que é a dimensão maior de tudo o que pode a partir daí expandir-se.

A Inglaterra voltaremos em Abril, para mais uma semana intensiva.

Em Portugal, na Sintra Lunar que nos chamou e acolheu desde sempre, temos ciclos mensais com a Sabedoria das Árvores de Janeiro a Julho e a semana intensiva de Transe Terapêutico dedicado à Ancestralidade, Memória e Criação de Si em Fevereiro.

« Não temos um corpo que tem uma Alma,
Temos uma Alma que tem um Corpo.» John O’Donohue

Que seja então assim a nossa senda: desatar os nós do coração, para da estrada, memória, corpo, tecer bom caminho e fértil chão.