E QUANDO A PRIMAVERA CHEGA MAIS CEDO?
E quando a Primavera chega mais cedo?
Ostara é uma fase, não um só dia.
Quando foi que deixamos de observar a Terra fértil e viva no seu cíclico movimento para nos prender a um dia fixo de um calendário artificial?
As celebrações pagãs foram calendarizadas em dia fixo no início do séc XX, por Gerald Gardner. A intenção foi nobre, demonstrar ao mundo que a nossa ancestralidade pagã tinha cerimónias estruturadas que deram origem à ritualistica cristã.
Será, no entanto, que ainda nos serve uma relação tão estreita com a Vida da Terra? Todos os modelos são legítimos, todos têm um contexto e todos perderão pertinência. Se enquanto pagãos, os que seguem a Espiritualidade da Terra, não formos ecologistas de raíz (radicais, isso mesmo), estaremos somente a romantizar, idealizar, querer repetir um passado simbólico que também já se desprendeu da sua relação íntima e intrínseca com a Terra. Todos os mitos são jornadas orgânicas, ecológicas, psicólogicas, fisiológicas. Entender as jornadas cíclicas é despir pré-conceitos e apurar a sensibilidade.
A Primavera chega quando a estação das chuvas cede para dias de Sol, pontuados solares entre as nuvens que vão ganhando gradualmente mais espaço. Quando as noites são claras e a via láctea se faz ver, quando as andorinhas chegam e as lebres saem da toca pela primeira vez após o frio, quando o canto dos pássaros já é o hino vivo da manhã, quando as águas da montanha gelada começaram a derreter, quando os brotos de verde rasgam o chão e as primeiras flores amarelas e de cores solares se mostram. A Primavera não tem data marcada, muito menos métricas fixas mesuráveis, como tudo o que vive, segue a pertinência absoluta do ciclo natural irregular e fluído. Consegues ver, ouvir, sentir?
Sim, é equinócio. Equinócio nem sempre é a entrada da Primavera. Às vezes ela chega primeiro, outras chega depois. O Equinócio é um exercício de atenção à Natureza que nos rodeia, abraça e sustém. É uma compreensão viva de que o equilíbrio é um movimento constante, não acontece apenas quando dia e noite têm igual tempo, mas na sua capacidade de prevalecerem ou darem espaço um ao outro consoante seja necessário à teia da vida Natural.
Se podemos agregar ao Equinócio uma observação astrológica? Sim, no entanto, entanto é fulcral perceber que a astrologia que praticamos no Ocidente é o modelo grego, as nossas tribos celtibéricas não tinham esta relação com os astros, tinham outras, muitas das quais não sabemos exactamente como eram. Horóscopo significa observar o tempo, Vamos então praticar a observação real para uma reverência do mistério e abolir a previsível linearidade? No tempo íntimo e único de cada ciclo interno e externo, em presença.
Toda a fé é uma prática constante de observação e ajuste em resiliência da Terra e de nós em todas as relações humanas e não humanas, internas e externas.
Algumas questões que me ajudam a praticar a presença no tempo e lugar :
O que está a acontecer?
Como está a acontecer?
Como me sinto enquanto acontece?
Como é entendido na minha cultura?
Como é que isso me toca?
Como seria visto antes da construção cultural, pelos primeiros seres humanos que existiram?
O que me diz esta informação sobre onde estou é o que é pertinente e fundamental?
O que me ensina o que estou a observar na Natureza, sem intervir nela?
Como posso aprender que a incerteza é fundamental à vida, uma fonte de sabedoria e resiliência?
A incerteza orgânica é estruturada e daí advém a sua Fertilidade e capacidade de preservação da vida de todo o sistema a curto, médio e longo prazo, incluindo morte, transformação e nascimento.
Não, a Primavera, o tempo da Natureza intrínseca, não tem horas marcadas nem dias fixos. Sabes o que mais não tem horas marcadas nem dias fixos: a menstruação, a tesão, o parto, o luto, a morte, o sentir. Aqui vemos claramente, que a normalidade e a Natureza não são a mesmo coisa: a norma só define o que é mais numeroso, a Natureza o que tem que acontecer para que a Vida prossiga.
Faz-te sentido?
Fotografia da profunda Mizé Jacinto
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