10
Set

POESIA PARA A FOME DA ALMA

Pronto, hoje vou contar uma das minhas histórias mais bonitas.
Fui ao baú.
Sempre que Mercúrio me oferece a bênção do silêncio da retrogradação a memória pede para re-membrar e significar o que ficou para trás.
É preciso rever a tecelagem, repor a coerência e como nunca somos a mesma pessoa que fomos, os olhares são sempre múltiplos e necessários.
Estou então olhando de novo e ao percorrer antigos cadernos de poesia encontrei este poster.
Há 16 anos atrás, eu e alguns amigos, criávamos posters poéticos que colávamos de madrugada por Alfama, Graça, Bairro Alto, Baixa lisboeta. Sobretudo, nas paragens de autocarro para lembrar que o Amor é sempre imperativo e que o corpo não pode deixar de ser celebrado.
Cada poster tinha tiras de papel destacáveis com palavras que as pessoas podiam levar consigo.
Impressionante era ver que as palavras eram recortadas, poemas eram escritos sobre o poster inicial, nunca assinamos nada e ninguém assinou o que lá era deixado. Porque afinal, há na poesia essa qualidade de ser de todos sem ser de ninguém.
Outra das coisas que fazíamos era deixar livros nos bancos de jardim e dessas mesmas paragens, com dedicatórias para quem fosse que os encontrasse.
Deixávamos também peças de roupa embrulhadas às portas pedindo que chegassem a quem precisava.
E ainda, a minha preferida : deixávamos cadernos com textos e desenhos, inacabados, pedindo a quem os encontrasse que lesse, escrevesse a sua contribuição, e deixasse onde pudesse ser encontrado por outra pessoa. Sempre sem contactos ou assinaturas.
Era incrível encontrar nos mais inusitados lugares esses cadernos escritos por tantas mãos e beber palavras que matavam a sede da alma, sem saber quem as trazia.
Não podemos jamais desistir da subjectividade, da escuta, da comunicação, da intimidade ou matamos a humanidade.
Foi talvez aí que percebi que os Deuses nos falam pelas mãos e vozes dos outros e temos que estar atentos para não perder a mensagem. Foi aí que percebi que oferecermos as mãos e a voz ao Espírito é o que dá sentido ao viver, porque somos sopro, mas é o sopro que leva a semente para onde é necessário que cresça.