03
Dez

SENHORA DA ESTRELA

Olha a Estrela d’Alba
Chama da manhã
Guia do bom pastor
Norteias a direcção
A quem levanta o olhar, mantendo pés assentes no chão.
Esquecemos que tudo e todos somos filhos da Mãe. Da mesma Mãe.
Tão Negra que é terra fértil.
Tão negra que é noite infinita.
Só a noite pode ser Mãe de todas as estrelas, sóis, luas e planetas debaixo de um céu útero eterno, infinito, além da imaginação ou visão.
Senhora da Estrela que és noite profunda universal e cauda da Ursa constelação. Traças o Norte que nos dá orientação, mas a orientação suplanta a direcção para que aponta. É mais além ainda, para sermos como a árvore que cresce em ramos e portanto adentra tão mais profundamente as raízes.
Falas de sustentação sem materialismo, de saber em total humildade ante o mistério que És, que É, que somos e que é maior do que a percepção , mais além do que o Norte mas para lá é preciso ir caminhando passo a passo, dia a dia, gesto a gesto.
Quando não te vemos, tu vês-nos ainda e sempre, do lugar mais amplo e vertical que é o céu universal abraçando a tecelagem da vida em constante transformação.
Viemos abraçar o sagrado em tudo, sobretudo no que não compreendemos e ainda mais no que pensamos já compreender. Nada é estanque e todo o conhecer é necessariamente reconhecer: ir conhecendo novamente aquilo que é agora e que é a transformação do que foi através não de quem éramos mas de quem nos estamos tornando num movimento inextinguível.

Senhora da Estrela:
Trazes o manto da noite sobre ti, ponteado a prata estelar e a noite negra terra. Trazes a morte que é a maior fecundidade e portanto o início da vida. És Boa Morte, Bom Parto, Bom Caminho, Guia.
Trazes a consciência total e que nunca deixa de se expandir, renovar, transformar.
Trazes o tempo do céu que foi, o Sol que ilumina as estrelas que já partiram e ainda assim são mapa de ancestralidade e berço das estrelas que não vemos ainda mas que já existem em ti e nos observam.
Seguir o teu caminho é subir a serra no crepúsculo durante a noite de olhos abertos.
Seguir o teu caminho é descer a serra na alvorada de olhos fechados durante o dia.
É encontrar a luz na treva e a sombra no dia, para abraçar a complementaridade natural a quem sabe que a inteireza é assimétrica, irregular, relevante em cada relevo e reentrância.
Senhora da Estrela o teu seio é a Via láctea que ao beijar a aurora se torna Rio que das águas fluídas nutre tudo o que vive e a todos se dá a beber.
Tu és quem serena todas as fomes e alentas todas as sedes.
És Senhora do Leite, da fonte de estrelas d’Água da montanha. Quando a noite beija a Terra lá bem no cume da serra a estrela faz – se pedra e pedras são ossos do chão. Nada de finda tudo é continuação de uma memória criando permanentemente e recíproca relação.
A água por nós bebida é sangue. O alimento vindo do chão que é pó fecundo do osso da Terra que a nossa boca adoça e corpo nutre será osso dentro de nós. Nem dentro estamos sós ou separados.
Não há separação, tudo é continuidade cíclica e portanto necessariamente heterogénea, diversa, múltipla, similar mas irrepetível, constantemente evolutiva até no retorno.
Antes do Solstício da natalidade chega a Estrela, que é Mãe e parteira da Alma, ao mesmo tempo.
Saber parir só se aprende da voz sem palavras da mais selvagem Natureza.

Por isso : Vou.
Não sei por onde mas vou.
Não vou sozinha porque não há como não te ter debaixo e diante dos pés, não há como não te respirar , não há como não te testemunhar observando – me como a mãe faz à criança que dá os primeiros passos e a vê cair para a poder ver levantar – se inteira, na dignidade de se erguer de si mesma, da força da sua vontade conectada ao chão, sopro e céu infinito que é na verdade o corpo da confiança.
Onde se cai há sempre amparo do chão, tudo o que quebra também abre e ensina a cura e a compaixão, é quando no chão que mais ampla é a visão.
Se faz caminho, caminhando.
Trazemo-la na palma da mão, linha da vida a sementes e estrelas parida.
Do Norte.
Da Estrela.
Não vês?
Pouco importa a tua crença. A pertença é intrínseca e intrincada. És aqui, vista e parte da Teia Terra Constelação.
Não notas que não há senão continuidade entre o céu e o chão? Onde estamos, bem aqui no abraço de ambos, pulsa o coração.

Foto da Maravilhosa Mizé Jacinto