
SOBRE A GRATIDÃO
Estes dias, eu e a Lila Nuit temos sido abraçadas por agradecimentos profundos, sob a forma de palavras, gestos, doações.
Os elogios que nos chegam vêm da parte de pessoas absolutamente incríveis: pessoas que erguem projectos humanitários de pequena mas profunda escala, que iniciaram escolas, que se empenham em dar o mais que podem desde o lugar onde estão.
Não há gestos pequenos no dar.
Há apenas dar, na medida da vida que cada um(a) segura em si.
Há também a honestidade de querer envolver-se na escala da sua possibilidade, que é tão melhor do que deixar passar e não fazer nada ou esperar que alguém faça o que nos desresponsabilizamos de fazer.
É o pequeno gesto da grande mudança de paradigma : todos somos o tecido social em que vivemos. Não há nós nem eles. Somos todos uma teia interdependente onde a liberdade é vivida em conexão.
O Bosque selvagem ensina-nos isso: a urtiga não é menos importante do que o carvalho, nem a papoila menos importante do que a orquídea. Fazem parte de um todo íntegro, com acções complementares, todas indispensáveis à preservação da Vida, qual órgãos de um grande e consciente corpo.
Cada uma sendo, dando-se na imensurável medida de valor da sua própria Natureza, sem jamais ignorar o seu propósito espontâneo e orgânico.
Agradeço muito a quem contribui e contribuiu, agradeço a quem oferece tempo, energia, orações, bens. Agradeço a quem não se deixa levar pelo fluxo da falsa urgência que a vida social de hoje nos empurra a ter, a quem escolhe mover a densidade da preguiça, crítica, apatia e transforma-la em lavoura de um baldio descuidado que pode finalmente ser sementeira. Agradeço a quem se dá o tempo de ser a dádiva de si e dos outros, em cada pequenino passo do gesto de cada dia.
Ontem fez 9 anos que a minha última avó beirã partiu. Como uma oliveira, ela era pequenina e larga. A Avó Celeste era varina em Lisboa desde os vinte anos. Acordava de madrugada para ir para a lota e percorria a cidade de cesta à cabeça. Sempre foi financeiramente independente e pioneira, sem ideologia intencional, para o seu tempo. Não era uma avó idílica nem doce mas tinha uma vontade indomável e uma generosidade pura: deu pelo menos tanto peixe quanto o que vendeu num tempo em que as mesas eram bem mais magras do que as de hoje.
Depois do peixe, já na última idade, vendeu roupa. E cuidou de agasalhar muita gente. Sempre construiu com uma mão abundância e com a outra generosidade ( esta última vista com muitas críticas ao seu bom, bravo e bravio coração). Nunca guardou um livro de dívidas. Algumas, fez questão de esquecer. Teve dias duros e dias serenos, mas sua pequena casa sempre ofereceu de braços abertos guarida e comida a quem quisesse entrar. Nunca teve qualquer dificuldade em traçar limites, zangava-se alto, comovia-se por Amor.
Todas as manhãs, falava com as plantas em longas conversas enquanto bebia café com leite que perfumava toda a casa. Tinha tantas plantas que enfeitava a escada do prédio e os canteiros do bairro. As suas plantas eram as mais viçosas. Ela fazia vicejar o que ninguém fazia brotar sequer.
A Avó Celeste ensinou-me pelo exemplo que podemos ser maiores do que as nossas vidas e tirar partido daquilo que parecem ser qualidades contrárias.
Ensinou-me que dançamos em rede, ora batendo com os pés no chão do despertar ora afagando, ora tudo o que existe entre estes espaços.
Eu é que agradeço, na verdade: Agradeço a confiança depositada em mim por tant@s de vós, agradeço a possibilidade de ter estabilidade para apoiar, agradeço por ter família de sangue e coração, de todas as espécies. Agradeço ser parte deste mistério que é a Vida e ter a benção de poder repôr, porque para dar é preciso receber. E é do tanto que me dão que eu posso dar-me.
Com Gratidão profunda a quem faz a peregrinação da jornada.
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